segunda-feira, 24 de junho de 2013

Dizem que em cada Coisa uma Coisa Oculta Mora



Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Que mora nela.

Mas eu, com consciência e sensações e pensamento,
Serei como uma coisa?
Que há a mais ou a menos em mim?
Seria bom e feliz se eu fosse só o meu corpo -
Mas sou também outra coisa, mais ou menos que só isso.
Que coisa a mais ou a menos é que eu sou?

O vento sopra sem saber.
A planta vive sem saber.
Eu também vivo sem saber, mas sei que vivo.
Mas saberei que vivo, ou só saberei que o sei?
Nasço, vivo, morro por um destino em que não mando,
Sinto, penso, movo-me por uma força exterior a mim.
Então quem sou eu?

Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?
Ou a minha alma é a consciência que a força universal
Tem do meu corpo por dentro,

ser diferente dos outros?
No meio de tudo onde estou eu?

Morto o meu corpo,
Desfeito o meu cérebro,
Em coisa abstracta, impessoal, sem forma,
Já não sente o eu que eu tenho,
Já não pensa com o meu cérebro

os pensamentos
que eu sinto meus,
Já não move pela minha vontade,

 as minhas mãos que eu movo. 

Cessarei assim? Não sei.
Se tiver de cessar assim, ter pena de assim cessar,
Não me tomará imortal.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
(Heterónimo de Fernando Pessoa
)

8 comentários:

  1. Hermosa mixtura de poesía y filosofía que no conocía. ¡Cuanto tenemos por explorar y aprender de Portugal y los Portugueses!

    Un abrazo, amiguiña. Muchas gracias por esos "Devaneios" que poco a poco van enseñando a este Español algo de cultura Portuguesa :)

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  2. Es posible que todas las cosas tengan algo oculto. Las personas solemos tener un lado oculto, a la vez que ocultamos otras muchas cosas. La diferencia entre las personas y las cosas, es que siempre hay quienes descubren los misterios de las cosas, pero raras veces descubren algunas de nuestras cosas más intimas.
    Es cierto; no mandas en el destino. Pero es falso que te muevas, que sientas, o que pienses por una fuerza ajena a ti. Tú eres una persona; no un autómata.
    Me ha gustado mucho.
    Salu2.

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    1. Por vezes, não sentimos que a nossa acção foi impensada, como que comandada por algo alheio à nossa consciência?

      Abraços

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  3. Si, es cierto, pero solamente algunas veces. El Texto parece indicar que esa fuerza es casi continua.
    Salu2.

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  4. Que saudades que tinha destes "pontos brilhantes" que por vezes salpicam minha vida.

    Mas é bom saber que eles estão lá e que, pelo menos, posso ir à sua procura sempre que quiser e encher minha alma de ar puro, oxigenar meu universo tantas vezes às escuras sem "pontos brilhantes" para me iluminarem.

    Obrigado

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    1. Carlos
      Os pontos estão sempre lá...ainda que os não vejamos. Obrigada por estar presente.
      Abraços

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  5. Apetece-me acrescentar que sim, é verdade, há sempre um lado oculto em nós que guardamos e que mantemos em segredo...

    Aliás, vindo de FP, homem controverso e diverso, cheio de heterónimos, imagine-se as personalidades que ele encarnou para se desmembrar e expressar de toda a pessoa que ele tinha dentro de si.

    CA

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